Isto quem me deu foi João Guimarães Rosa. “Um filho deixado
sem pai é um filho deixado à borda. Só lhe resta a borda, espaço entre o tudo e
o nada do rio. É nela que ele constrói sua existência, repleta de tudos e de
nadas.”
Engendrado entre
2007 e 2012 publicado em 2014 pela Editora Patuá, BORDA nasceu em um caderno azul de capa dura durante uma
internação psiquiátrica. Catarse em forma de poesia, dança à beira do abismo que naquele momento era eu mesma. Palavras que se
prestaram como costura do oco da carne implantada pelas dores e perdas da vida.
Tecendo a memória e a carne do mundo observado fui fechado brechas,
suturando feridas abertas.
Já a temática "fotografia", presente
em BORDA, escrito em um momento de incômodo com o envelhecimento, reflete um
tanto desse mal-estar, desconforto e estranhamento diante do objeto fotografia
enquanto elemento de sustentação da memória.
Em BORDA ainda é
possível ouvir como a turbulência do "eu mulher" ressoa em mim. Não
estou no mundo como mulher impunemente. Desde a infância a rejeição ao lugar de
"menos que os homens", ao qual eu nasci destinada, instalou em mim
uma guerra na busca da autoafirmação. Sua poesia evidencia que uma outra
experiência com o feminino é possível. A mulher livre, forte, desamarrada das
convenções sociais. Também não aceita categorizações (poesia de mulher, de
negro de gay, de índio, de pobre etc.).
Então BORDA é isso,
margem do abismo, costura, memória e exercício do feminino desatado. Dentre
outras coisas.
bebo da borda de tudo
margem mirando
o fundo do furo
Norma de Souza
Lopes
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