segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O processo de criação de um poema

O processo de criação de um poema envolve inúmeras variáveis. Emoções como amor, raiva, tristeza é até o tédio podem expandir e tomar forma de um poema. Um sonho pode nos dar um poema ou parte dele. Objetos, pessoas, circunstâncias podem se relevar diante de nós a ponto de se impor como poema. Até fragmentos de conversas, frase lidas aqui e ali podem virar um poema.
Poucos poemas emergem completos ou com sua forma definitiva. Poucos poemas são publicados imediatamente ao seu término. Alguns precisam amadurecer para adoçar.
Quando comecei a escrever, em 2007, ainda usava agendas para anotar ideias e construir poemas. Hoje raramente recorro ao papel e caneta. Começo um poema na página de postagem do blog e é nela que o finalizo. Gosto da plasticidade deste mecanismo, a possibilidade reversível de testar palavras e versos em várias posições dentro do poema, a acessibilidade imediata a dicionários de sinônimos, de antônimos e de rimas torna a página em branco do computador o melhor espaço de escrita. Ao final de cada semestre imprimo todos, encaderno e guardo para o caso de superbugs ou problemas no blog. Eles também são arquivados no meu e-mail, em uma pasta chamada poemas. 
Gostaria de dar um exemplo simples para evidenciar esse processo. Provavelmente o produto não será um bom poema, uma vez que está sendo construído mecanicamente para explicar meu processo criativo. 
Às vezes acordo repetindo frases, que afloram de meus sonhos. Esta é uma delas: " Muitas roupas espalhadas pelo chão e na canção a palavra compartilhar."
Anotei a frase assim que acordei, fazendo arranjos sintáticos:

"há  roupas espalhadas pelo  chão
e na letra da canção
a palavra compartilhar"

Deste ponto passo para o esforço cognitivo de compreender a relação entre um verso e outro. Fica evidente para mim que não se trata de um poema completo. Mas o cerne da ideia está lá, é só encontrá-lo. Roupas espalhadas no chão me remete a desordem. Penso no desconforto que esta desordem me provoca. Sou do tipo que passeia pela casa recolhendo coisas e recolocando-as aos seus lugares. Penso no sentido que o compartilhamento tem para mim, nas suas possibilidades de encontro, vínculo e troca. Penso em uma canção que envolvesse essas possibilidades. 
Que relação há entre a desordem e as possibilidades de relação com o outro? Talvez a desordem que o compartilhar envolve? Ou a necessidade permanecer compartilhando apesar da desordem?
Como sei que em essência eu, a autora, não poderia renunciar ao compartilhamento enquanto encontro com o outro, opto pela segunda opção. 
A ideia em si não exige grande expansão, parece querer gerar um poema pequeno. Penso em finalizá-lo com três versos, como a primeira estrofe, gosto de simetria. Conto as sílabas de cada verso (10,7 e 8 versos). Penso a esse respeito e não sinto vontade de criar simetrias métricas entre os versos que já existem. Não que já não tenha acontecido. Algumas vezes faço isso.
Decido finalizar com apenas um verso síntese. Apesar das criticas ao tom professoral de minha poesia nem sempre posso resistir a ela, É o que sou. Finalizo com o seguinte verso

amar o outro é suportar a desordem

Agora passo a pensar se o poema receberá, ou não, um título. Só dou títulos aos meus poemas quando eles se impõem. Esse parece não exigir. 
Decido manter o poema com letras minúscula e sem pontuação, como faço com todos eles desde 2012. Letra maiúscula só para algo que for muito próprio, que demande relevo.
Assim dou por finalizado o poema. Assino e dato porque gosto de acompanhar o processo evolutivo de minha escrita. Amo perceber que hoje sou mais concisa que em 2011 e esta comparação só é possível porque os poemas foram datados. 

Apesar do modo simples como expliquei aqui, não se trata de algo simples, exige choro, ranger de dentes, suspiros. Mas também pode gerar uma emoção tão forte que geralmente me levanto e grito: "Yes, Yes!". Às vezes até danço. 

Bom, então aqui vai o poema de hoje, com a frase dos sonhos desta manhã e o processo de criação coletivo. Sim, coletivo. Imaginei cada um de vocês que terão coragem de ler este texto até o fim enquanto criava. Então ele é um pouco de vocês também. 
Ei-lo:


há  roupas espalhadas pelo  chão
e na letra da canção
a palavra compartilhar

amar o outro é suportar a desordem

NSL
22/09/14
   

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